Uma pesquisa inédita realizada este ano pelo Ipec e o Instituto Patrícia Galvão, com apoio da Uber, e obtida com exclusividade pelo g1 e o Jornal Hoje, revela que 45% das mulheres no Brasil já tiveram o corpo tocado sem consentimento em local público, mas apenas 5% dos homens admitem a prática.
O estudo apontou também que, em relação às práticas invasivas — importunação, perseguição e assédio sexual — 41% das brasileiras já foram xingadas ou agredidas por dizerem “não” a uma pessoa que estava interessada nelas, 32% delas afirmaram ter passado por situação de importunação ou assédio sexual no transporte público e 31% declararam que já sofreram tentativa ou abuso sexual.
Já em relação aos homens, nenhum reconheceu que praticou importunação ou assédio sexual no transporte público.
Esses dados fazem parte do levantamento “Percepções sobre controle, assédio e violência doméstica: vivências e práticas”, que foi realizado para compreender as percepções dos brasileiros sobre os temas.
Foram entrevistadas 1.200 pessoas em todo território nacional (800 homens e 400 mulheres) entre 21 de julho e 1º de agosto. Todos maiores de 16 anos. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
De acordo com Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, os números refletem, principalmente, que essas práticas invasivas se tornaram rotina na vida das mulheres e que os homens não assumem.
“Lógico que não temos apenas grupos de quem sofreu um assédio e de quem causou. Mas quando analisamos em termos de pesquisas, que deve refletir a sociedade brasileira, chama atenção. E a pergunta que se coloca é: se os homens naturalizam, ou seja, normalizam as práticas, e não encaram como uma importação, coisa invasiva. Ou então, se conforme temos visto, a percepção de impunidade acaba favorecendo esse tipo de atitude”.
O psicólogo Alexandre Coimbra afirma que a maioria dos homens no Brasil não sabe o que é importunação sexual.
“Eles não querem saber e têm raiva de que é uma lei, porque isso fere o princípio mais básico do machismo estrutural, que é ele possuir o corpo do outro”.
“E é a partir desse preceito, a lógica dele é de dominação, ou seja, ‘eu preciso dominar o outro, mesmo que ele, a princípio, me diga que não’. O ‘não’ é escutado por esse homem que sustenta essa lógica machista de se sentir mais dono do mundo e entre as propriedades estão os corpos das mulheres”.
O levantamento também reflete o aumento nos casos de importunação sexual em vários estados do país, como Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
Em julho deste ano, um professor da rede estadual, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), foi preso preventivamente pela suspeita de importunação sexual contra alunas adolescentes. Em depoimento à polícia, o homem de 40 anos negou as denúncias.
Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o estado de Rio Grande do Sul registrou 349 casos de importunação sexual contra crianças e adolescentes entre janeiro e junho de 2022. O número é 49,7% superior ao índice observado no mesmo período do ano passado.
No dia 25 de agosto, um homem foi preso por importunação sexual dentro de um ônibus na Zona Sul de São Paulo. O suspeito, identificado como Josicleidson Silva de Jesus, de 27 anos, já tinha sido preso em flagrante após abusar sexualmente de uma passageira na Linha 1-Azul do Metrô, em setembro de 2015.
Na última terça-feira (6), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar o juiz substituto Marcos Scalercio por assédio sexual contra ao menos três mulheres em São Paulo, respectivamente, em 2014, 2018 e 2020.
Em Cariacica, na Grande Vitória (ES), uma gerente de loja de 37 anos foi vítima de importunação sexual dentro de um ônibus do Sistema Transcol, em agosto. O suspeito foi identificado e preso.
Em Palmas, região sul do Paraná, um homem foi preso por passar a mão em uma ciclista enquanto ela pedalava, no dia 28 de setembro de 2021.
Os dados da pesquisa também enfatizam que o afeto e a posse se confundem em grande parte dos relacionamentos amorosos. Ao término de uma relação, por exemplo, o controle, a perseguição e a calúnia são as agressões mais relatadas, diz o levantamento.
Mais mulheres (34%) do que homens (25%) declararam terem sido obrigadas, após o fim do relacionamento, a bloquearem contato, a mudarem de telefone (18% das mulheres contra 8% dos homens) e a registrarem um boletim de ocorrência (15% das mulheres contra 6% dos homens).
Após o fim do relacionamento, a pesquisa aponta que mais mulheres do que homens passaram por situações de perseguição até em casa, trabalho ou local de estudo; entre eles, os não heterossexuais destacam-se como vítimas em todas as situações.
Em outubro do ano passado, um policial militar aposentado, de 55 anos, tentou matar a ex-mulher horas após a audiência de divórcio enquanto a vítima trabalhava em uma loja em Sorocaba, interior de São Paulo. Segundo boletim de ocorrência, a mulher tinha medida protetiva de urgência contra o homem.
O homem alegou em interrogatório na fase policial que “ficou transtornado”. Imagens mostram a mulher correndo do ex e tentando se esconder, enquanto o homem procura por ela com uma arma na mão.
Fonte: G1