O Programa Bolsa Família, substituído pelo Auxílio Brasil, exerce um papel social e econômico de grande importância para milhões de famílias brasileiras e cearenses. No entanto, durante o período de crise ocasionada pela pandemia da Covid-19, muitas pessoas tiveram o benefício cortado, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste.
Em cinco meses, mais de 1,7 mil famílias cearenses tiveram o benefício suspenso pelo Governo Federal. Segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico), em maio deste ano, 1.105.467 recebiam o auxílio. Em outubro, eram 1.103.697 famílias atendidas no Ceará.
É o caso da dona de casa, Maria da Vitória, de 29 anos. Mãe solo de dois filhos menores de idade e sem emprego fixo, ela teve o Bolsa Família suspenso em plena pandemia.
A família de Maria faz parte das mais de 8,6 mil famílias que tiveram o benefício cortado entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, segundo dados do Comitê Técnico da Assistência Social do Consórcio Nordeste.
“Eu fiquei doida porque eu estava desempregada. Tinha noite que eu não estava nem conseguindo dormir direito porque eu sabia que era um direito meu e eu não estava conseguindo receber”, afirma.
Maria da Vitória depende exclusivamente dos benefícios sociais para comprar comida e pagar as contas. A burocracia a impedia de resolver sua situação.
“Eu olhava no aplicativo que mandava eu entrar em contato com aquele número 121. Só que eu não tinha telefone fixo para isso e só ligava de telefone fixo para esse número. Aí quando eu fui ver pessoalmente, eles já tinham cortado”.
Foi então que Maria da Vitória decidiu procurar ajuda da Defensoria Pública da União do Estado para tentar, ao menos, receber o Auxílio Emergencial, que foi negado por conta de um problema na carteira de trabalho dela.
“O número do meu PIS foi duplicado e estava vinculado ao de uma mulher de outro estado que trabalhava e ganhava quase 3 mil reais. Com a Defensoria Pública, eu lutei pelo benefício por um ano. Depois disso, eu recebi as parcelas e estou esperando meu Bolsa Família regularizar”.
Com o fim do Auxílio Emergencial e sem expectativa de retorno ao Bolsa Família, Maria da Vitória não sabe como vai conseguir o sustento da família nos próximos meses.
“Eu não sei como é que vai ficar minha situação porque ele foi cancelado. Eu já renovei, está tudo certo. É um dinheiro que ele ajuda muito, é pouco, mas ajuda muito. Eu recebo R$ 170, porque eu tenho dois filhos”.
NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS FLUTUA MENSALMENTE
Segundo dados do CadÚnico, em outubro 1.103.697 famílias recebiam Bolsa Família no Ceará. O número é menor que o registrado em julho deste ano, quando 1.105.457 famílias estavam aptas a receber o benefício.
Em nota ao Diário do Nordeste, o Ministério da Cidadania explicou que “o número de contemplados flutua mensalmente, em virtude dos processos de inclusão, exclusão e manutenção de famílias”.
Segundo a pasta, 7,1 milhões de pessoas são contempladas pelo Bolsa Família na região Nordeste, mais do que os 7 milhões registrados em 2018. O Ministério afirma que não houve redução no número de beneficiários em 2021.
“É importante informar que, desde abril de 2020, o número de famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família (PBF) se mantém acima dos 14 milhões, a maior média da história. Atualmente, 14,6 milhões de famílias de todo o país são atendidas, o que representa o maior patamar de cobertura. Portanto, não houve diminuição no número de contemplados pelo Bolsa Família nesta gestão”, informou.
A nota ainda destaca que o Auxílio Brasil, que começará a ser pago neste mês, deverá zerar a fila de espera do Bolsa Família. “Em dezembro, o número de beneficiados passará de 14,6 milhões para cerca de 17 milhões, o que contemplará todo o público já habilitado e outras famílias que atenderem aos critérios de elegibilidade do programa”, diz.
“ERA UM DINHEIRO QUE AJUDAVA NAS CONTAS”
Foto: Thiago Gadelha
Em abril deste ano, Angela Brauna, de 32 anos, teve o benefício do programa Bolsa Família suspenso e se viu em uma situação muito difícil junto com os dois filhos, ambos menores de idade.
“Ficou muito difícil as coisas aqui porque tem eu e meus dois filhos. Quando eu perdi o benefício estava sem trabalhar. Tive que fazer bicos e trabalhar o triplo. Era um dinheiro muito útil para pagar as contas e manter a gente”, conta.
Angela além de receber o benefício, fazia bicos como faxineira. Agora, trabalha como doméstica e cuida de uma criança recém-nascida. Sem o benefício e mesmo trabalhando de carteira assinada, Angela acredita que o valor que recebe não é o suficiente para manter as contas frente aos sucessivos aumentos nos valores da energia.
“Mesmo com o salário fixo está tudo muito difícil. O salário é muito pouco para o aumento das coisas que aparecem quase todo mês. Sei que se eu recebesse o Bolsa Família ainda sim ia precisar trabalhar com alguma coisa porque R$ 365 não sustenta uma família”, acrescenta.
A desempregada Sabrina Lima, de 24 anos, utilizava o recurso do Bolsa Família para ajudar a custear o aluguel da casa onde mora com a irmã, o sobrinho e o próprio filho, de 5 anos. O benefício foi bloqueado um mês após ela conseguir um emprego. Porém, ela foi dispensada da empresa três meses após o contrato.
“Agora eu estou sem nenhuma fonte de renda, estou desempregada e não sei se vou atender todos os critérios desse novo programa. Mas eu precisava muito, porque eu moro com minha irmã e vai ficar muito pesado para ela”, se preocupa.
A desempregada Lúcia de Fátima Andrade, de 36 anos, se preocupa sobre como será o sustento dos dois filhos com a perda do benefício, que ajudava a custear alimentação, remédios e artigos de higiene para a casa.
“Não sei como vai ser daqui para frente porque a gente depende de ajuda das pessoas. Tenho duas crianças e elas dependem de mim”, lamenta. Lúcia era beneficiária do programa desde 2013 e a renda mensal da família consistia nos R$ 171 recebidos mensalmente e o curto dinheiro de bicos que ela conseguia fazer. Mas, mesmo esses poucos trabalhos se tornaram mais raros com a pandemia.
“A gente vai atrás de serviços mas não consegue porque ninguém quer. Aí só Deus mesmo, rezar para que tudo dê certo e essas coisas se resolvam logo”, espera.
Por Diário do Nordeste