As vacinas contra a Covid-19 reduziram o número potencial de mortes globais durante a pandemia em mais da metade no ano seguinte à implementação das campanhas de imunização. As estimativas são de um novo estudo de modelagem matemática publicado nesta quinta-feira (23) pela revista Lancet Infectious Diseases.
No primeiro ano dos programas de vacinação, foram evitadas em todo o mundo cerca de 19,8 milhões de mortes de um potencial de 31,4 milhões de óbitos em decorrência da doença.
As estimativas foram baseadas no excesso de mortalidade de 185 países e territórios. O excesso de mortes é definido como a diferença entre os números observados de óbitos em períodos específicos e os números esperados de perdas de vidas nos mesmos períodos.
O estudo estima que mais 599.300 vidas poderiam ter sido salvas se a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de vacinar 40% da população em cada país, com duas ou mais doses, até o final de 2021 tivesse sido atingida.
“Nossas descobertas oferecem a avaliação mais completa até o momento do notável impacto global que a vacinação teve na pandemia de Covid-19. Das quase 20 milhões de mortes que se estima terem sido evitadas no primeiro ano após a introdução das vacinas, quase 7,5 milhões foram evitadas em países cobertos pela iniciativa de acesso à vacina Covax”, afirmou Oliver Watson, principal autor do estudo, do Imperial College, de Londres, em comunicado.
Desde o início das campanhas de vacinação contra a Covid-19, a OMS tem defendido a equidade na distribuição dos imunizantes como condição fundamental para o enfrentamento da pandemia a nível global.
O consórcio Covax, que permitiu a distribuição de doses contra a Covid-19 aos países de baixa e de média rendas, é uma iniciativa coliderada pela Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês), a aliança de vacinas Gavi, a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“Nossas descobertas mostram que milhões de vidas provavelmente foram salvas ao disponibilizar vacinas para pessoas em todos os lugares, independentemente de sua riqueza. No entanto, mais poderia ter sido feito. Se as metas estabelecidas pela OMS tivessem sido alcançadas, estimamos que cerca de 1 em cada 5 das vidas perdidas devido à Covid-19 em países de baixa rendapoderiam ter sido evitadas”, disse Watson.
Cobertura vacinal
Desde que a primeira vacina contra a Covid-19 foi administrada fora de um ambiente de ensaio clínico, em 8 de dezembro de 2020, quase dois terços da população mundial recebeu pelo menos uma dose contra a doença, de acordo com o levantamento da plataforma Our World in Data.
A iniciativa Covax facilitou o acesso a vacinas aos países de baixa renda para tentar reduzir as desigualdades, com uma meta inicial de oferecer duas doses de vacina a 20% da população em países abrangidos pelo compromisso até o final de 2021.
A OMS ampliou essa meta estabelecendo uma estratégia global para vacinar com duas doses 70% da população mundial até meados de 2022, com uma meta provisória de imunizar 40% da população de todos os países até o final de 2021.
O estudo destaca que apesar da alta velocidade no lançamento das vacinas contra a doença em todo o mundo, mais de 3,5 milhões de mortes por Covid-19 foram relatadas desde que o primeiro imunizante foi administrado em dezembro de 2020.
Uso da modelagem matemática
Análises têm procurado estimar o impacto da vacinação no curso da pandemia, se concentrando em regiões específicas, como países, estados ou cidades. O novo estudo publicado na Lancet inova ao estimar o impacto da vacinação em escala global e ao avaliar o número de mortes evitadas direta e indiretamente.
“Quantificar o impacto que a vacinação causou globalmente é um desafio porque o acesso às vacinas varia entre os países, assim como nossa compreensão de quais variantes do coronavírus foram circulando, com dados de sequência genética muito limitados disponíveis para vários países. Também não é possível medir diretamente quantas mortes teriam ocorrido sem a vacinação”, afirma Gregory Barnsley, coautor do estudo, do Imperial College, em comunicado.
Segundo o especialista, a modelagem matemática permite avaliar cenários alternativos, que não podem ser observados diretamente na vida real. Para estimar o impacto dos programas globais de vacinação, os pesquisadores usaram um modelo estabelecido de transmissão de Covid-19 usando dados em nível de país para mortes pela doença registradas oficialmente entre 8 de dezembro de 2020 e 8 de dezembro de 2021.
Para levar em conta a subnotificação de mortes em países com sistemas de vigilância menos robustos, eles realizaram uma análise separada com base no número de mortes em excesso registradas acima daquelas que seriam esperadas durante o mesmo período.
Onde os dados oficiais não estavam disponíveis, a equipe usou estimativas de mortalidade excessiva por todas as causas. Essas análises foram então comparadas com um cenário hipotético alternativo em que nenhuma vacina estava disponível.
O modelo levou em conta a variação nas taxas de vacinação entre os países, bem como as diferenças na eficácia da vacina em cada país com base nos tipos de vacina conhecidos por terem sido predominantemente usados nessas áreas.
Os pesquisadores ressaltam que a China não foi incluída na análise devido à sua grande população e medidas de bloqueio muito rígidas, o que poderia ter distorcido as descobertas.
O que revelaram as análises
A equipe descobriu que, com base nas mortes por Covid-19 registradas oficialmente, estima-se que 18,1 milhões de mortes teriam ocorrido durante o período do estudo se as vacinas não tivessem sido implementadas.
Destas, o modelo estima que a vacinação tenha evitado 14,4 milhões de mortes, o que representa uma redução global de 79%. De acordo com o estudo, os índices não levam em conta a subnotificação de mortes pela doença, que é comum em países de baixa renda.
A equipe fez uma análise adicional com base no total de mortes em excesso durante o mesmo período. Eles verificaram que a vacinação evitou cerca de 19,8 milhões de mortes de um total de 31,4 milhões de mortes potenciais que teriam ocorrido sem a vacinação, uma redução de 63%.
O estudo indica que mais de três quartos (79%, 15,5 milhões/19,8 milhões) das mortes evitadas se devem à proteção direta contra sintomas graves proporcionada pela vacinação, levando a menores taxas de mortalidade.
Estima-se que as 4,3 milhões de mortes restantes evitadas foram prevenidas pela proteção indireta da transmissão reduzida do vírus na população e redução da carga sobre os sistemas de saúde, melhorando assim o acesso aos cuidados médicos para os mais necessitados.
Impactos da vacina
O impacto da vacina mudou ao longo do tempo e em diferentes áreas do mundo à medida que a pandemia avançava, segundo o estudo.
No primeiro semestre de 2021, o maior número de mortes evitadas pela vacinação ocorreu em países de renda média baixa, resultado da significativa onda epidêmica na Índia à medida que surgiu a variante Delta.
Posteriormente, isso mudou para o maior impacto concentrado em países de renda mais alta no segundo semestre de 2021, à medida que as restrições de viagens e encontros sociais foram amenizadas em algumas áreas, levando a uma maior transmissão do vírus.
No geral, o número estimado de mortes prevenidas por pessoa foi maior em países de alta renda, refletindo a implementação mais precoce e mais ampla das campanhas de vacinação nesses locais (66 mortes evitadas por 10.000 pessoas em países de alta renda versus 2.711 mortes evitadas por 10.000 pessoas em países de baixa renda).
Os países de renda alta e média-alta foram responsáveis pelo maior número de mortes evitadas (12,2 milhões/19,8 milhões), destacando as desigualdades no acesso a vacinas em todo o mundo.
Para os 83 países incluídos na análise que são cobertos pelo consórcio Covax com vacinas acessíveis, estima-se que 7,4 milhões de mortes foram evitadas de um potencial de 17,9 milhões (41%). No entanto, estima-se que o não cumprimento da meta da iniciativa de vacinar totalmente 20% da população em alguns países tenha resultado em 156.900 mortes adicionais.
Embora esse número represente uma pequena proporção do total de mortes globais, essas mortes evitáveis estavam concentradas em 31 nações africanas, onde 132.700 mortes poderiam ter sido evitadas se a meta fosse atingida.
Da mesma forma, estima-se que o déficit na meta da OMS de vacinar totalmente 40% da população de cada país até o final de 2021tenha contribuído para 599.300 mortes adicionais em todo o mundo que poderiam ter sido evitadas.
Os países de renda média-baixa foram responsáveis pela maioria dessas mortes. Regionalmente, a maioria dessas mortes se concentrou nas regiões da África e do Mediterrâneo Oriental. Se a meta de 40% tivesse sido atingida em todos os países de baixa renda, o número de mortes evitadas pela vacinação nessas áreas teria mais que dobrado.
“Nosso estudo demonstra o enorme benefício que as vacinas tiveram na redução global de mortes por Covid-19. Embora o foco intenso na pandemia tenha mudado, é importante garantir que as pessoas mais vulneráveis em todas as partes do mundo estejam protegidas da circulação contínua da Covid-19 e de outras doenças importantes que continuam a afetar desproporcionalmente os mais pobres”, afirmou o professor Azra Ghani, presidente de epidemiologia de doenças infecciosas do Imperial College.
Entre as limitações do estudo, os autores reconhecem que o modelo é baseado em algumas suposições necessárias, incluindo as proporções precisas de quais tipos de vacina foram entregues, como foram entregues e o momento preciso de quando novas variantes de vírus chegaram a cada país. Eles também observam que a relação entre a idade e a proporção de mortes por Covid-19 que ocorrem entre os indivíduos infectados é a mesma para cada país.
“Garantir o acesso justo às vacinas é crucial, mas requer mais do que apenas doar vacinas. São necessárias melhorias na distribuição e infraestrutura de vacinas, bem como esforços coordenados para combater a desinformação sobre vacinas e melhorar a demanda por vacinas. Só assim podemos garantir que todos tenham a oportunidade de se beneficiar dessas tecnologias que salvam vidas”, disse Ghani.
Fonte: CNN Brasil