O número de candidaturas coletivas apresentadas para o pleito de outubro triplicou no Ceará em 2022 em comparação com 2020 – primeiro ano em que postulações desse tipo foram lançadas no Estado.
Ao todo, são 12 representações desse gênero neste ano contra quatro em 2020. Apesar do crescimento de 200%, o número de candidaturas coletivas é pouco expressivo frente às postulações individuais para o Legislativo Estadual e Federal, correspondendo a apenas 1,23% do dotal de postulações lançadas (969) em 2022. É o que mostra os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre registros de candidaturas.
Das 12 aspirantes, 9 vão disputar uma vaga na Assembleia Legislativa, enquanto três vão concorrer à Câmara dos Deputado. Para as disputas, há representações da federação Psol-Rede, UP, Agir e da federação PSDB-Cidadania.
Além dos dados do TSE, foi utilizado como mecanismo de pesquisa o levantamento sobre candidaturas coletivas da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), que mapeia postulações do tipo de 1994 a 2018 em todo o País.
Também foram verificados os dados da pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre candidaturas coletivas nas eleições de 2020. Em ambos os estudos, as informações foram obtidas a partir dos dados primários sobre registro de candidatura do TSE, de notícias em portais de veículos de informação e de fóruns nacionais sobre o tema.
REGRAS
Para a cientista política e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), Paula Vieira, as candidaturas coletivas têm se popularizado mais no Estado diante da dificuldade para atingir o quociente eleitoral.
Nas eleições proporcionais, os partidos precisam alcançar o quociente eleitoral (votos válidos divido pelo número de cadeiras a preencher) para conseguirem uma vaga na Casa Legislativa para a qual estão disputando. Se uma legenda atinge duas vezes o valor do quociente, ela garante dois assentos, por exemplo, que serão ocupados pelos candidatos mais bem votados.
“O candidato, para ser eleito, precisa que o partido atinja o quociente e, individualmente, também precisa ter bons votos para conseguir entrar. E as candidaturas coletivas acabam agregando várias bases eleitorais, de grupos que muitas vezes representam diferentes minorias – que, se fossem lançadas de forma separada (várias candidaturas), talvez não conseguissem atingir o número de votos”, explica.
Como não há, ainda, legislação que trate sobre o tema no Código Eleitoral, o registro de candidatura continua individual. Assim, apenas uma pessoa da candidatura pode ser registrada na Justiça Eleitoral e representar oficialmente o mandato coletivo no Legislativo, caso eleita. Os demais compartilham as funções do mandato de forma informal.
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Candidaturas coletivas foram lançadas para as eleições deste ano no Ceará
Há experiências de mandato coletivo em que os demais integrantes ocupam cargos no gabinete do parlamentar e todos dividem os salários igualmente. No entanto, não há regra para o funcionamento desse modelo parlamentar. Vale ressaltar que, mesmo em mandatos coletivos, é pago um único salário.
Todavia, em 2021, o TSE aprovou uma resolução normativa que permitiu que o representante oficial da candidatura compartilhada destaque “seu engajamento social e coletivo”, autorizando inclusive a utilização do nome do coletivo na urna. É o que explica o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto.
“As candidaturas coletivas passadas não podiam usar o nome do coletivo, só do candidato oficial. Os que botavam podia ter questionamentos jurídicos. Então, pela primeira vez, a pessoa nominalmente indicada (para representar o coletivo) pode utilizar o nome da candidatura coletiva. Isso não deixa de ser um reconhecimento da existência dessas candidaturas coletivas e da importância que elas têm tomado no corpo político brasileiro”, destaca Fernandes Neto.
CANDIDATURAS
As primeiras candidaturas coletivas foram lançadas no Ceará para disputar vagas nas câmaras municipais de Crato (2), Limoeiro do Norte (1) e de Fortaleza (1) em 2020. Inclusive, nesse pleito, o primeiro mandato compartilhado foi eleito no Ceará, mais especificamente para a Câmara Municipal da Capital.
A atividade parlamentar é exercida pelas co-vereadoras do “Nossa Cara”, cuja representante oficial é Adriana Gerônimo (Psol) – tendo em vista que, para o registro de candidatura, apenas uma pessoa pode ser apresentada para a Justiça Eleitoral. Louise Anne de Santana e Lila M. Salu, as outras co-vereadoras da “mandata”, ocupam cargos de assessoras parlamentar e compartilham das decisões tomadas e proposições feitas por Gerônimo no Legislativo.
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Apenas quatro candidaturas coletivas foram lançadas no Ceará em 2020
INSEGURANÇA JURÍDICA
Apesar da resolução reconhecer as candidaturas coletivas, elas ainda não são regulamentadas por lei. Isso, inclusive, tem aberto brechas para questionamentos jurídicos sobre o assunto, além de desentendimentos entre os co-parlamentares.
Fernandes Neto explica que, com o aumento de postulações e mandatos compartilhados nos últimos pleitos, o Congresso incluiu o tema no projeto da reforma eleitoral – cujo texto já foi aprovado na Câmara e está em tramitação no Senado.
Todavia, a medida não é tratada de forma completa, propondo, inclusive, que a regulamentação sobre o exercício desse mandato e divisão financeira sejam regulados pelos partidos.
“(Os co-parlamentares) podem ocupar os cargos de assessores parlamentares, mas o exercício depende de um acordo informal entre eles e que não os obriga oficialmente em nada, porque não há uma lei que protege esse acordo informal. Se algum dos mandatários descumprir o acordo, não há nada que assegure essa vivência conjunta do mandato”
FERNANDES NETO
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE
Além disso, outros imbróglios podem surgir e gerar inseguranças para essa modalidade. É como avalia a cientista política Paula Vieira em casos em que políticos encontram na falta de legislação sobre o assunto brechas para fortalecer seu capital político se apresentando em candidaturas coletivas e individuais – já que o representante oficial do coletivo não precisa ser o mesmo que também irá disputar outro cargo individualmente.
“É por isso que eu digo que a legislação é insuficiente sobre mandato coletivo, porque não foi pensado nessas possíveis brechas que podem ser lançadas. Essa artimanha de se lançar individualmente e coletivamente pode prejudicar, porque vai parecer um jeitinho, um arremeto, uma estratégia por trás dos panos, que alguns estão utilizando de uma “não-legislação” para conseguir aumentar seu capital político”
PAULA VIEIRA
Cientista política e pesquisadora do Lepem