Diferentemente do que fez em edições anteriores, o presidente adotou um tom mais moderado e acatou as sugestões do Itamaraty de evitar ataques diretos a outros países, como vinha fazendo com Chile e Argentina.
A exceção se deu quando Bolsonaro fez críticas, também sem citar nomes, aos regimes de Daniel Ortega, na Nicarágua, e Nicolás Maduro, na Venezuela —ambos os países são ditaduras de esquerda com as quais algumas alas do PT têm proximidade. O presidente mencionou o acolhimento a refugiados que fogem do regime venezuelano e disse que “o Brasil abre suas portas para acolher os padres e freiras católicos que têm sofrido cruel perseguição do regime ditatorial da Nicarágua”.
Também mirando o pleito em outubro, o presidente fez de seu discurso um aceno ao eleitorado feminino, grupo em que Lula conta com 46% das intenções de voto, contra 29% de Bolsonaro. O líder brasileiro afirmou que tem atribuído prioridade à proteção das mulheres e citou registros de queda em feminicídios.
“Trabalhamos no Brasil para que tenhamos mulheres fortes e independentes, para que possam chegar aonde elas quiserem. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, trouxe novo significado ao trabalho de voluntariado desde 2019, com especial atenção aos portadores de deficiências e doenças raras”, disse.
Michelle acompanhou o discurso de dentro do salão da Assembleia-Geral, assim como o ministro Fábio Faria (Comunicações) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, terceiro filho do presidente. Também estava no plenário o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho.
Bolsonaro ainda citou os eventos do 7 de Setembro quando, em suas palavras, “milhões de brasileiros foram às ruas, convocados pelo seu presidente, trajando as cores da nossa bandeira”. “Foi a maior demonstração cívica da história do nosso país, um povo que acredita em Deus, pátria, família e liberdade”, afirmou, concluindo o discurso com um lema de sua campanha que é a adaptação de um slogan fascista.
Pouco antes, o candidato a reeleição já havia citado temas caros à sua militância, com menções ao que ele chama de “valores fundamentais” —o que inclui a posição contrária ao aborto (“direito à vida desde a concepção”), à diversidade sexual (“defesa da família” e “repúdio à ideologia de gênero”) e favorável ao armamento (“legítima defesa”).
O presidente também usou o espaço para reforçar a posição de neutralidade em relação à Guerra da Ucrânia, tema principal nos corredores da ONU. O Brasil tem sido criticado por potências ocidentais pela hesitação em condenar a invasão russa ao país vizinho.
“Não acreditamos que o melhor caminho seja a adoção de sanções unilaterais e seletivas, contrárias ao direito internacional. Essas medidas têm prejudicado a retomada da economia e afetado direitos humanos de populações vulneráveis, inclusive em países da própria Europa. A solução para o conflito na Ucrânia será alcançada somente pela negociação e pelo diálogo”, disse.
Bolsonaro usou o palanque para defender seu legado. Afirmou que “desde a primeira hora, em garantir um auxílio financeiro emergencial aos mais necessitados”, ainda que o governo tenha proposto em março de 2020 um pagamento inicial de R$ 200, um terço dos R$ 600 que foram aprovados pelo Congresso naquele ano.
O presidente também exaltou o alto nível de vacinação contra a Covid-19, mesmo que ele próprio tenha questionado a importância da imunização em uma série de ocasiões e negue ainda hoje que foi imunizado. “Lançamos um amplo programa de imunização, inclusive com produção doméstica de vacinas. Somos uma nação com 210 milhões de habitantes e já temos mais de 80% da população vacinada contra a Covid-19. Todos foram vacinados de forma voluntária, respeitando a liberdade individual de cada um”, disse.
Bolsonaro também afirmou que levou “adiante uma abrangente pauta de privatizações e concessões, com ênfase na infraestrutura”, mas não conseguiu levar a cabo pautas caras a sua equipe econômica, como a privatização da Petrobras e dos Correios.
Como havia sido sugerido por sua campanha, Bolsonaro exaltou sua política econômica e afirmou que “o Brasil chega ao final de 2022 com uma economia em plena recuperação”, em referência às projeções mais otimistas do PIB, citando números positivos de queda de desemprego e da inflação, mesmo que a fome esteja em alta no país, conforme pesquisas recentes.
Apesar dos altos índices de insegurança alimentar no Brasil, acentuados desde a pandemia, o presidente afirmou que “se não fosse o agronegócio brasileiro, o planeta passaria fome, pois alimentamos mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo”. “Este ano, o país já começou a colheita da maior safra de grãos da nossa história. Estima-se pelo menos 270 milhões de toneladas. O Brasil também, em poucos anos, passará de importador a exportador de trigo”, disse o presidente.
Principal calo do presidente aos olhos da comunidade internacional, a gestão ambiental foi usada pelo presidente para atacar a imprensa, ao dizer que “na Amazônia brasileira, área equivalente à Europa Ocidental, mais de 80% da floresta continua intocada, ao contrário do que é divulgado pela grande mídia nacional e internacional.” Bolsonaro, no entanto, utilizou o espaço para defender o “aproveitamento econômico da floresta”, do qual depende a população local, afirmou.
Bolsonaro vendeu o país como um “campeão da transição energética” ao exaltar a matriz renovável, e aproveitou a brecha para se referir de forma velada a países europeus críticos à sua gestão ambiental, que precisaram aumentar a exploração do carvão após a escassez de gás natural devido à guerra na Ucrânia.
“Países que se apresentavam como líderes da economia de baixo carbono agora passaram a usar fontes sujas de energia. Isso configura um grave retrocesso para o meio ambiente”, disse.
Por tradição, o presidente brasileiro é sempre o primeiro chefe de Estado a falar no evento. Na sequência, deveria vir o americano Joe Biden, mas o democrata adiou o discurso para quarta-feira (21), após decidir viajar a Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª. Quem fala, então, é o presidente do Chile, o estreante Gabriel Boric, sobre quem Bolsonaro vem tecendo críticas em uma série de pronunciamentos durante a campanha.
Em meio a uma disputa eleitoral que está longe de estar resolvida, viajar para fora do país, principalmente para dois destinos internacionais em sequência —o presidente também foi a Londres acompanhar o funeral da rainha Elizabeth 2ª— não foi um cálculo simples.
A avaliação do governo, no entanto, foi de que a viagem era obrigatória e que o custo político de faltar seria maior que o de comparecer, além de reforçar a imagem de isolamento do Brasil no xadrez político mundial.
Entretanto, presidente brasileiro só tem reuniões bilaterais marcadas com dois presidentes, o equatoriano Guillermo Lasso e o polonês Andrzej Duda. Eles são inexpressivos para a economia brasileira, mas importantes na agenda ideológica do governo de unir líderes direitistas.
Com o presidente da Polônia, o brasileiro assinará dois acordos: sobre Troca e Proteção Mútua de Informações Classificadas e para a Eliminação da Dupla Tributação em Relação aos Tributos sobre a Renda e a Prevenção da Evasão e da Elisão Fiscais.
A justificativa para os poucos compromissos diplomáticos é a curta agenda, já que o presidente passará menos de 24 horas na cidade. Mesmo assim, Bolsonaro encaixou um almoço em uma churrascaria brasileira com apoiadores que vieram de caravanas de diferentes partes do país.
No pouco tempo que terá em Nova York, o presidente incluiu ainda na agenda oficial, divulgada no site da Presidência da República, uma videoconferência com empresários do setor de supermercados no Brasil.
Fonte: Folha de São Paulo