A socióloga Rosângela da Silva, a Janja, afirmou que enxergou machismo nas críticas que recebeu ao longo da campanha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e que pretende ressignificar o papel de primeira-dama.
“Houve machismo, porque talvez a figura do Lula por si só se bastasse, e agora tem uma mulher do lado dele, não que complemente, mas que soma com ele em algumas coisas. Hoje acho importante olhar para ele e também estar me vendo. Isso não acontecia antes”, disse em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, na noite deste domingo (13).
“Sou uma pessoa que é propositiva, que não fica sentada, que vai e faz”, afirmou a esposa de Lula. Após a exibição da entrevista, o perfil dele em uma rede social publicou: “A Janja tem sua história e personalidade. Por ela eu me apaixonei. Hoje o Brasil conheceu um pouco mais da Janjinha”.
A socióloga também disse que pretende ressignificar o “conteúdo” do que é ser uma primeira-dama, “trazendo algumas coisas importantes, algumas pautas importantes para as mulheres, para as pessoas, para as famílias de uma forma geral”. “Talvez seja esse papel de mais articulação com a sociedade civil.”
Ao ser questionada sobre quais compromissos ela terá nos próximos anos, Janja citou o combate à violência contra as mulheres, a alimentação saudável, a garantia de acesso da população a alimentos e o combate ao racismo, “que é uma coisa que a gente não consegue mais admitir na sociedade”.
“Vamos trabalhar isso [violência contra as mulheres] com muita força. Quero atuar bastante nisso, fazer essa discussão com a sociedade. Não é com medida provisória que você resolve essa questão.”
Ela disse que, com Lula na Presidência, seguirá ao lado do marido e não deve “ficar em casa” quando ele sair para trabalhar. “Isso vai ser difícil de acontecer, porque não é da minha personalidade. A gente vai estar junto, vou estar do lado dele boa parte do tempo contribuindo no que eu puder contribuir.”
Para a futura primeira-dama, o maior desafio do terceiro mandato do petista será o de “reascender a chama” da solidariedade e da compaixão em uma parcela da sociedade brasileira.
Desde o casamento com o ex-presidente, em maio deste ano, Janja ganhou cada vez mais notoriedade dentro e fora do comitê eleitoral. Pessoas de seu entorno a descrevem como uma mulher com brilho próprio, de conteúdo, com personalidade forte e amorosa.
O protagonismo da socióloga trouxe elogios, mas também provocou desconforto entre aliados do petista.
No fim de semana, apoiadores de Lula emitiram apoio a ela depois de um comentário da jornalista Eliane Cantanhêde, da GloboNews, sobre a socióloga que foi considerado machista.
Janja disse ao Fantástico que não se incomodou com as críticas que recebeu e afirmou que a opinião que importava para ela era a do marido. “Se era importante para ele eu estar fazendo algumas coisas e estar do lado dele. Eu trouxe para mim esse papel de cuidar dele, de preservá-lo.”
Ela também citou a preocupação com a segurança do presidente eleito e disse que atuou nesse sentido para resguardá-lo. “A gente sabe todas as ameaças que ele sofre. Isso era uma coisa que me deixava desesperada”, narrou, ao relembrar a proteção a ele durante uma caminhada em Salvador.
Questionada sobre primeiras-damas que a inspiram em sua nova posição, Janja citou a argentina Evita Perón (1919-1952) e a americana Michelle Obama.
A brasileira, que já foi comparada por petistas a Evita, disse que muitas pessoas no Brasil desconhecem “o papel que ela teve para as mulheres naquele momento histórico da Argentina”.
Sobre a esposa do ex-presidente dos EUA Barack Obama, a esposa de Lula falou que ficou bem impressionada ao “saber que muitas das políticas que foram tentadas pelo governo Obama foram também proposições dela, principalmente ligadas à área da saúde e alimentação”.
A socióloga rebateu ainda críticas sofridas durante a campanha por sua ligação com religiões de matriz africana, “como se isso fosse um problema”, conforme observou a entrevistadora Maju Coutinho, que mencionou intolerância religiosa.
“Ter sido atacada por conta disso não me diminui. Pelo contrário”, disse a futura primeira-dama. “Acho que ser ligada a uma religião de matriz africana só me dá orgulho”, continuou, afirmando ser uma pessoa que se emociona tanto em uma missa quanto em uma cerimônia com tambor e em um hino de louvor a Deus.
Janja afirmou que foi aconselhada a apagar de seu perfil em uma rede social uma foto em que aparece ao lado de orixás, explorada por apoiadores de Bolsonaro para supostamente desqualificá-la. “Falei: eu não vou apagar. Aquilo também me representa”, comentou.
Ela também disse que a participação em articulações políticas não foi algo planejado, citando a ligação telefônica que fez para Simone Tebet (MDB), terceira colocada no primeiro turno, num momento inicial de aproximação do petista com a senadora.
“As coisas acontecem muito no calor do que está acontecendo naquele momento. O telefonema da Simone, a gente estava em casa e falamos em ligar. Eu falei com a senadora e os dois conversaram. Não foi nada ‘você vai ligar’. Não tenho nenhum papel de articulação política”, disse.
A socióloga também elogiou a participação de Tebet no segundo turno, assim como da ex-ministra Marina Silva (Rede), dizendo que a senadora do MDB desempenhou um papel “importantíssimo” na reta final e que ela trouxe “a importância da participação feminina”.
“Tanto ela como a Marina. Marina tem um simbólico para o Brasil. As duas trilharam juntas esse segundo turno e foi muito importante.”
Na entrevista, que durou cerca de 30 minutos, a socióloga comentou sobre a posse de Lula —Janja será responsável pela coordenação-geralda organização da cerimônia. Ela disse que estará “feliz” e que, “com certeza”, irá cantar.
Foi iniciativa de Janja reeditar o jingle da campanha presidencial de 1989 “Lula lá”. Ao longo da campanha, ela cantava a música antes de o petista discursar.
A socióloga disse ainda que uma das cachorras do casal, Resistência, adotada em Curitiba enquanto o petista estava preso, deverá subir a rampa do palácio no dia. “As pessoas da vigília sempre falaram que a Resistência ia subir a rampa do Planalto. Resistência estará lá.”
Esta foi a primeira entrevista de Janja à imprensa. Como mostrou a coluna Mônica Bergamo, a socióloga chegou a cogitar conversar com a imprensa em determinados momentos, mas a orientação da campanha foi a de preservá-la para evitar polêmicas desnecessárias.
Janja contou que começou a se aproximar de Lula em 2017, durante um jogo de futebolorganizado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que também contava com a participação do cantor Chico Buarque.
Ela disse que foi ao evento para ver o artista e que depois ficou para um almoço com os convidados.
“Aí depois [Lula] pediu meu telefone para alguém, eu recebi a ligação, e aí foi indo, a gente foi se aproximando”, relembrou. “Acho que ele [Lula] acabou de olho em mim”, riu, ao ser questionada se teria ido ao local inicialmente “de olho” em Chico Buarque, mas teria mudado o foco para o ex-presidente.
A apresentadora Poliana Abritta indagou se Janja, “feminista como é”, dá conselhos sobre machismo ao presidente eleito e ouviu como resposta que Lula é “muito tranquilo” e vem aprendendo sobre o tema. “Em casa, aos domingos, normalmente ficamos mais sozinhos, ele lava a louça do café, ele ajuda.”
Como exemplo de reprimenda, Janja citou vezes em que o petista se referiu à professora Ana Estela Haddad, casada com o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), como “a esposa do Haddad”. “Eu sempre fico do lado ‘é Ana Estela’, porque, né, é o nome dela. Ela não é só esposa. Não que ele faça por mal.”
Ao ser questionada como é a sua relação com filhos, netos e bisneta de Lula, a socióloga afirmou que é “muito tranquilo”, que tem sido uma “construção e uma aproximação tranquila, sem traumas”. “Todos estão crescidos, e a gente também quer tocar a nossa vida.”
Na conversa, Janja se emocionou ao falar da morte de sua mãe, por Covid-19, e disse que foi um dos momentos mais tristes de sua vida. “Ela morreu no dia do aniversário dela. Dizem que quando a pessoa morre no dia do aniversário é porque ela já cumpriu uma missão de várias vidas e isso me dá um certo conforto.”
Fonte: Folha de São Paulo