Após o término do namoro, Fernanda (nome fictício) passou a ser ameaçada pelo ex: “vou postar aqueles vídeos teus. Vou postar as fotos sua nua”. A história da mulher de 35 anos, com identidade preservada, foi comunicada à Polícia Civil do Ceará e é uma realidade que se repete para outras vítimas que se tornam reféns da divulgação de imagens íntimas sem consentimento.
Conforme estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apesar da subnotificação, o Ceará é o segundo Estado do Nordeste com mais processos por registro não autorizado da intimidade sexual e divulgação de cena de estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem consentimento. De janeiro de 2019 até julho de 2022 foram 83 ações registradas.
Na região, o Ceará fica atrás do Maranhão, com 124 processos. Dos 21 estados monitorados pelo CNJ, Minas Gerais fica no topo do ranking, com 967 registros. O Conselho não tem informações sobre o Acre, Alagoas, Amapá, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Roraima.
Os processos contabilizados pelo CNJ se baseiam em duas leis criadas em 2018: lei Rose Leonel (13.772/18), que considera crime o “registro não autorizado da intimidade sexual”; punição é seis meses a 1 ano de detenção; e a lei 13.718/18, que criminaliza a “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem consentimento”, inclusive o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão.
TÉRMINO CONTURBADO
O caso que tem Fernanda (nome fictício) enquanto vítima começou com o término de um relacionamento conturbado. Segundo ela, o homem passou a ameaçar expor fotos e vídeos íntimos por não se conformar com o fim do namoro
A vítima registrou Boletim de Ocorrência, no último mês de dezembro, detalhando as ofensas que recebeu. A reportagem teve acesso aos áudios enviados pelo ex-namorado. Nas mensagens, ele agride verbalmente a ex-namorada e diz que irá divulgar os ‘nudes’ em grupos do Whatsapp.
Em determinados trechos dos áudios, o suspeito diz: “vou postar aqueles vídeos teus. Vou postar as fotos sua nua. Vou postar tudo… Eu tinha vergonha de andar contigo porque tu era aleijada. Se acha tanto e é aleijada” (sic). A mulher se diz surpresa com as ameaças que vem recebendo e deu entrada em um pedido de medida protetiva de urgência, para que o ex não se aproxime dela.
Segundo a mulher, o casal se separou quando ela descobriu um relacionamento extraconjugal vivido pelo parceiro. “Eu estou chocada que ele fez isso comigo, do jeito que ele faz comigo pode fazer com outras mulheres. Isso é papel de moleque”, disse a vítima sobre as ameaças de expor os ‘nudes’.
O MEDO DE DENUNCIAR
A delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, Eliana Maia Soares, diz que a maior parte das vítimas destes crimes são mulheres que “têm a intimidade devastada por alguém que não concorda com o término de uma relação”. A policial destaca a importância da denúncia para que as autoridades tenham conhecimento oficialmente do crime.
“São prejuízos incalculáveis para essas mulheres. Além de poder ter pena de um a cinco anos por essa divulgação, quando a prática desse crime acontece em situação de violência doméstica ou por vingança ou para humilhar a vítima, podem ter aumento de pena de 1/3 a 2/3. Mulheres têm pesadelo em serem consideradas pela sociedade como culpadas. A vítima não tem culpa, não pode ser culpabilizada pela conduta errada de outro”, pondera a delegada,
“Fica o apelo para que essas vítimas denunciem, não se calem. Fica ainda o alerta que o infrator além de responder criminalmente, pode responder civilmente por danos morais. Uma mulher que procura a delegacia de Polícia incentiva outras mulheres a procurarem também e acaba impedindo que outra mulher possa ser vítima do mesmo crime”ELIANA MAIA SOARESDelegada Titular da DDM
A delegada ainda recorda que no ano passado, a então governadora Izolda Cela sancionou uma lei que alterou o estatuto dos servidores públicos do Estado prevendo pena de demissão aos infratores condenados por crimes de violência doméstica: “No caso de divulgação por quem tem tido ou mantido violência com a vítima, esse homem, se for servidor público, pode vir a perder o cargo”.
EXTORSÃO
A prática de extorsão também costuma estar ligada à divulgação ilegal de imagens íntimas. No primeiro semestre de 2022, a Polícia localizou e prendeu um cearense, técnico de informática que fez, pelo menos, 400 mulheres vítimas.
O homem, identificado como Matheus Fernandes Alves, criou 30 perfis falsos para cobrar uma quantia em dinheiro para não expor fotos e conversas íntimas das vítimas. Conforme a investigação, algumas mulheres pagaram mensalidades para que as imagens não fossem divulgadas nas redes.
Matheus não tinha antecedentes criminais. A apuração dos crimes começou em 2021, após uma das mulheres procurar a Polícia para denunciar as extorsões. No andamento do caso, ao longo de oito meses, foram descobertas vítimas em Fortaleza, Pacajus e Quixadá.
Pelo menos 400 mulheres foram enganadas e extorquidas através de 30 perfis falsos criados por um técnico de informática cearense, de 27 anos. Ele foi preso preventivamente pela Polícia Civil (PC-CE), na última sexta-feira (8), em Fortaleza.
A atuação do suspeito não se restringia ao Ceará. A reportagem do Diário do Nordeste apurou que Matheus foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte por tentar constranger, mediante grave ameaça e com intuito de obter vantagem econômica.
No último dia 10 de janeiro, a Justiça pediu que um oficial de Justiça citasse o réu atualmente custodiado na Unidade Prisional Desembargador Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal, na Região Metropolitana de Fortaleza, para, no prazo de 10 dias, responder às acusações feitas pelo Ministério Público”.
Por: Diário do Nordeste