A população envelhece em ritmo acelerado, mostraram os primeiros dados do Censo 2022 no mês passado. Mais da metade dos 203 milhões de brasileiros já está acima dos 30 anos, e 15% têm 60 ou mais. Essa última parcela, que hoje é de 30 milhões, vai alcançar 25,7% da população em 2040, movimentando a chamada “economia do cuidado”.
Diante dessa nova configuração populacional, abrem-se oportunidades nos negócios e no mercado de trabalho, muito além da maior demanda por cuidadores. Os consumidores mais velhos vão precisar de mais médicos. Atualmente, o país só tem 2.600 geriatras. A tecnologia terá maior impulso para desenvolver produtos que tornem as casas inteligentes e ajudem o idoso a manter sua autonomia. As transformações passam por setores tão distintos quanto a indústria de alimentos, a economia criativa e o turismo voltado para um público que tem renda.
Hoje, 22,3% dos maiores de 60 trabalham e injetam R$ 24,6 bilhões por mês na economia. São 7,5% dos ocupados, mas geram 9% da massa de rendimento total, em razão de o salário ser 15% acima da média da população. Sem contar aposentadorias e pensões de pessoas que vivem mais em famílias cada vez menores.
—A visão da velhice ficou velha — diz Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Consumo anual de R$ 1,6 trilhão
Ela finaliza um livro sobre a “economia do cuidado”, que chama a atenção para a necessidade de aliviar as famílias, principalmente as mulheres, da carga de cuidados com os mais velhos. A pesquisadora aponta que, entre 2015 e 2019, o número de cuidadores em atividade aumentou 59%.
O levantamento Tsunami Prateado, da consultoria Hype50+, estima que a população de 50 anos ou mais representa quase 20% do consumo brasileiro e movimenta cerca de R$ 1,6 trilhão por ano, com uma demanda crescente. Foi a que mais aumentou o consumo desde o primeiro trimestre de 2020: 12% contra 5% da média da população, segundo a consultoria Kantar. Essa faixa etária também é que a mais consome produtos premium, de valor mais alto. Por isso, chamam cada vez mais a atenção de diferentes negócios.
Layla Vallias, cofundadora do Data8, instituto de pesquisa da Hype 50+, diz que a oferta de produtos e serviços é crescente para reduzir os efeitos da menopausa. No setor imobiliário, ela prevê que lançamentos de edifícios devem começar a trocar o parque infantil por espaços de convivência para idosos. Na área de tecnologia, a consultora prevê o boom dos cursos de inclusão digital, com idosos cada vez mais habituados à tecnologia:
— É preciso entender que pessoas maduras são grandes consumidoras, influenciadoras de consumo em suas casas.
A startup MaisVívida, por exemplo, promete ensinar idosos a “usar ferramentas digitais sem depender de filhos ou netos”. Uma plataforma coloca clientes em contato com jovens que os orientam no uso de tecnologia. O aplicativo de transporte Eu Vô, voltado para idosos e pessoas com deficiência, oferece mais que um motorista. Os profissionais da plataforma são treinados para acompanhar compras ou consultas médicas de quem tem dificuldades de mobilidade. O preço é um pouco mais alto que os de apps como Uber e 99.
Na saúde, a demanda por médicos vai crescer em várias especialidades, alerta o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Marco Tulio Cintra. Além de geriatras, será preciso formar mais endocrinologistas, neurologistas, oncologistas e cardiologistas, especialistas em doenças crônicas comuns entre os idosos. E há todo o suporte de reabilitação e cuidados que envolvem profissionais como enfermeiros e fisioterapeutas. Para Cintra, é preciso ir além da formação técnica:
— Os cursos de todas as áreas da saúde devem se voltar para o atendimento da pessoa idosa. Hoje, o profissional se forma sem saber identificar o idoso frágil, a demência.
Segundo Pierre Lucena, diretor do Porto Digital, polo de inovação do Recife que reúne 17 mil profissionais distribuídos em cerca de 600 empresas de base tecnológica, na última chamada de inscrição de startups, metade era da área de saúde. Os negócios vão da digitalização de históricos médicos à telemedicina, como a Ti. Saúde, comprada em 2022 pelo grupo DPSP, dono das drogarias Pacheco e São Paulo.
Interesse por exercícios
Negócios começam a surgir nas lacunas de produtos e serviços para essa população. Em 2019, a estilista Helena Schargel criou uma linha de lingerie para mulheres maduras. Com 83 anos, ela também é modelo da marca. A ideia é provocar uma reação do tipo “se ela pode, também posso”:
— É um público que está crescendo. Minha mãe jamais usaria lingerie sexy. Hoje, a cabeça é outra. Não existe pensar “não tenho mais idade”.
Até as aulas de balé estão mais grisalhas. A necessidade de se manter ativa é apenas um dos motivos que levaram Anna Carla de Mello Rocha, de 51 anos, Fabiana de Souza, de 46 , Ana Claudia Freire, de 54 , e Letícia Frossard, de 41, a voltarem a dançar ou a descobrirem o balé. Ainda não estão na terceira idade, mas querem chegar lá em boa forma. São alunas do Studio Bertha Rosanova, nome da fundadora, que foi primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio. Ava Rozemblat, filha de Bertha e diretora da escola que funciona em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, desde 1957, afirma que já está superada a ideia de que balé é só para jovens e crianças:
— É também para as pessoas mais velhas, para quem nunca fez balé. Já tive alunas de mais de 70 anos. Ganha mobilidade, exercita a memória.
O Globo