Por Victória Ellen
Em Juazeiro do Norte, região do Cariri, no sul do Ceará, o empreendedorismo feminino floresce como força motriz de transformação social, econômica e cultural. De mãos dadas com a tradição e o afeto, mulheres da região têm protagonizado iniciativas que vão além do lucro: elas constroem futuros, resgatam memórias e promovem cuidado.
Hévila Ribeiro, Linda Souza e Carolina Mendonça são exemplos desse movimento. Cada uma, à sua maneira, transforma experiências pessoais em trajetórias de impacto. Elas estão entre as milhares de mulheres que fazem parte do crescimento expressivo da presença feminina no mundo dos negócios cearense.
Crescimento nos números
De acordo com a Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec), em 2024, Juazeiro do Norte registrou 22.094 mulheres como sócias ou proprietárias de empresas. Com 286.120 habitantes, sendo 52,64% do sexo feminino, a cidade se consolida como referência no interior cearense.
Nos dois primeiros meses de 2025, o número de empresas com sócias mulheres no Ceará cresceu 65,9% em relação ao mesmo período de 2024. Só em Juazeiro do Norte, nos primeiros cinco meses do ano, foram 929 novos registros femininos, no ano anterior foram 1.723 registros.
Entre os segmentos mais movimentados, destacam-se os serviços (592 registros), o comércio (269) e a indústria (68). Segundo a Jucec, 677 mulheres atuam como Empresárias Individuais ou MEIs, e outras 252 em Sociedades LTDA.
Das raízes à inovação: três histórias de transformação
Arquitetura da memória: Hévila Ribeiro e o afeto por Juazeiro

A arquiteta e pesquisadora Hévila Ribeiro decidiu olhar para o passado como forma de projetar o futuro. À frente dos perfis @memoriasdejuazeiro e @casadasmemorias_cariri no Instagram, ela utiliza a comunicação digital para resgatar e compartilhar camadas da história do Cariri por meio da arquitetura, de personagens locais e da cultura popular.
“Hoje eu faço parte da Memórias, ou melhor, a Memórias faz parte de mim”, afirma a doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
A motivação surgiu de um sentimento ambíguo em relação à cidade natal: “Meu sonho era ir embora de Juazeiro. Mas sempre tinha uma coisa que me prendia aqui”, conta. Com o tempo, a pesquisa virou afeto; o afeto, projeto; e o projeto, compromisso com o território.
Ela também transforma o conteúdo em oportunidade: utiliza os canais para firmar parcerias e gerar renda, como na construção da Casa das Memórias, espaço físico em desenvolvimento que pretende abrigar a história viva da cidade.
Linha de cura: Linda e a costura como força de vida

Linda Souza, empreendedora e costureira, faz do seu ateliê um espaço de acolhimento e reconstrução. “Desde que comecei a trabalhar com a costura, o meu trabalho me levanta — e eu vou levantando o que tiver por perto de mim”, afirma.
A paixão começou na infância, confeccionando roupas para bonecas. Hoje, além da técnica, ela oferece escuta e empatia. “Minhas amigas dizem: ‘Linda, estou precisando fazer uma terapia’. Eu respondo: ‘Pois tá bom, vou vender as máquinas e comprar um divã!’”, brinca.
Dona da loja Arianas Medidas Exatas (@arianas_medidas_exatas_), Linda acredita que a costura foi sua salvação. “Já passei por situações que, se não fosse meu trabalho, eu nem estaria mais aqui. De verdade”.
A história de Linda inspirou, inclusive, o Trabalho de Conclusão de Curso de sua filha, Kébia Souza: o livro-reportagem Ziguezagueando com Linda. “Nele escrevi sobre a história da minha mãe com a costura de roupas, costurando ao longo das páginas, memórias e afetos entrelaçados com questionamentos, críticas sobre a moda e como ela é vista socialmente, apresentando também o que há além da costura, os seus processos e história”, escreveu.
Doçura com resistência: Carolina Mendonça e os biscoitos da memória

Também formada em arquitetura, Carolina Mendonça encontrou no empreendedorismo uma forma de homenagear sua história familiar. Inspirada nas receitas da tia Ieda, ela criou a marca Dona Ieda (@donaiedabiscoiteria), que resgata um saber ancestral de mais de 50 anos.
“Veio o desejo de juntar o empreendedorismo com a minha paixão pelos biscoitos da tia”, diz Carolina.
Hoje, a Dona Ieda é mais que um negócio: é um símbolo de resistência e geração de renda para outras mulheres. “Não é uma empresa que só mostra produtos. A gente quer mostrar nossa personalidade, a realidade por trás da empresa”, explica.
Carolina também fala dos desafios de ser mulher empreendedora: “Meu esposo sempre vai comigo para entrevistas. E algumas pessoas se dirigem a ele achando que é ele quem comanda. Mas é comigo”.
Para ela, a Dona Ieda é um instrumento de transformação social. “Quero que esse instrumento cresça para que a gente consiga fazer mais. Quando a gente consegue fazer diferente na vida de outras pessoas, a gente vai chegando mais longe”.
Mulheres que transformam
Histórias como as de Hévila, Linda e Carolina mostram que empreender no interior não é apenas abrir um negócio. É também uma forma de resistir, criar redes de apoio e transformar territórios.
Elas não apenas constroem empresas: constroem futuros possíveis para si, para outras mulheres e para Juazeiro do Norte.
As entrevistas também estão disponíveis no perfil do instagram @nocariritem: Episódio Hévila, Episódio Linda, Episódio Carolina.