Manoel Nogueira de Sousa Filho estava invisível. Tinha nome, sobrenome, local de nascimento, mas não tinha papel. Vivia, mas não existia. Ele, já considerado idoso, nunca havia sido registrado. Até a última sexta-feira (01/12), ele integrava as estatísticas do Registro Civil do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que estimou o número de 2,7 milhões de brasileiros sem a certidão de nascimento.
Ele só teve acesso a esse direito depois de ir até a uma sede da Defensoria Pública do Estado do Ceará na cidade de Iguatu. O processo tramitou na 1a vara cível de Iguatu, e hoje, depois da atuação da Defensoria Pública, Manoel, aos 65 anos, está devidamente registrado.
Chamou atenção de todos a sua vulnerabilidade social, financeira e familiar. “Ele vivia em situação de rua, dormia em um posto de gasolina e dependia de ajuda da população para comer, mas chegou na nossa sede informando que nunca fora registrado, ou sequer batizado, por tal motivo não possuía RG, CPF, título de eleitor, ou qualquer outro documento de identificação pessoal. E aí começamos a tomar as providências cabíveis”, destaca a defensora pública Mírian Lopes De Araújo Konstantinou, responsável pelo atendimento.
Mesmo sem nenhum documento, o idoso lembrava do seu nome, da data de nascimento, dos nomes dos pais já falecidos e da cidade onde nasceu. “Foi quando iniciamos uma busca ativa em todos os cartórios de registro civil. Quando recebemos as respostas negativas de que realmente não tinha nenhum registro com aquelas informações, iniciamos as etapas para o registro tardio”, explica a defensora.
Além das diligências jurídicas e de pesquisa, o Setor Psicossocial da Defensoria fez o mapeamento social e fez contato com Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) na tentativa de um aluguel social, porém, sem êxito, devido à falta de documentos. Manoel morava numa casa de taipa emprestada pelos amigos da comunidade de Morada Nova, especificamente no Distrito do Riacho, em Iguatu. Para auxiliar, uma campanha solidária arranjou um lar para ele, mas ainda cabe muita ajuda para recuperar os tantos anos de cidadania perdida.
“O registro de nascimento é o primeiro e mais importante documento do cidadão. Portanto, é só na posse do registro que é possível solicitar os outros documentos que são essenciais para o exercício da cidadania e a garantia dos direitos fundamentais. Sem o registro, o cidadão se torna invisível ao Poder Público, encontrando obstáculos para a efetivação das políticas públicas. Esse trabalho é um resgate, de fundamental e de grande importância, possibilitando assim garantir direitos”, pontua Mirian.
Projeto Meu Registro , Minha Cidadania
A erradicação do subregistro é uma articulação interinstitucional. A Defensoria criou um sistema e os equipamentos da rede assistencial (CRAS) acionam para se comunicar de forma direta com a instituição (até mesmo onde não existe atuação regular do órgão), solicitando providências sobre situações de ausência de registro civil encontradas nos municípios.
Até o momento, 188 CRAS de 107 municípios já utilizam o sistema. O projeto Meu Registro, Minha Cidadania foi criado para erradicar os casos de subregistro no interior, viabilizando a emissão do registro tardio ou mesmo simplificando a emissão da segunda via de certidões de nascimento.