Pela primeira vez no estado, uma pessoa será identificada como “não binária” na certidão de nascimento. A sentença foi proferida pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça (TJCE) em favor de Brune Bonassi, de 31 anos, e abre um precedente para outros casos terem o mesmo desfecho.
Brune procurou a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) em junho de 2022 para mudar um dos sobrenomes e o gênero, originalmente feminino, por compreender-se enquanto pessoa não binária. A não binariedade é uma identidade de gênero reivindicada por quem não se enxerga exclusivamente nem no sexo feminino nem no masculino ou por quem entende-se pertencente a ambos.
Como o ordenamento jurídico brasileiro ainda não permite a pessoas não binárias esse tipo de alteração ser feita diretamente no cartório, tal qual acontece com pessoas trans e travestis desde 2018, foi preciso acionar a Justiça. Em primeira instância, a justiça cearense decidiu pelo não reconhecimento da não binariedade. A Defensoria recorreu da decisão e levou o caso à instância superior (no caso, o TJCE).
“A gente estava com medo de não dar certo. A decisão levou um ano e meio para sair e, no meio disso, muitas informações circularam, ao ponto até de a juíza chegar a pedir laudo psicológico, uma coisa que é condenada pelo Conselho de Psicologia e por organismos internacionais. Agora que deu certo, eu já estou pensando em como vai ser pra retificar os outros documentos. Preciso ver quais vou ter que alterar”, pontua Brune.
Natural de Santa Catarina, no sul do país, Brune atualmente mora em Mulungu, no Maciço de Baturité, e é casada com uma pessoa também não-binária. Desde a infância, a psicanalista diz que enfrenta diversos desafios por não conseguir se identificar com o gênero que lhe atribuíram no nascimento e isso fez com que surgissem diversos conflitos, inclusive com a família.
A defensora Mariana Lobo ressalta que reconhecer pessoas não binárias é reafirmar todos os tratados de direitos humanos em relação à liberdade de gênero e à autodeclaração dos quais o Brasil é signatário. Está em conformidade também com os princípios da Constituição Federal, que assegura a qualquer pessoa o direito à identidade, e contribui para o combate à discriminação.
“Essa decisão agora amplia e faz com que o direito de todas as pessoas seja garantidos. Se homens trans, mulheres trans e travestis podem fazer a mudança de nome e gênero, pessoas não binárias também podem. Não existe motivo para se distinguir indivíduos trans binários e não binários. Não é o Estado nem terceiros que vão impor identidade a ninguém. A pessoa é o que ela se enxerga e os seus documentos precisam trazer essa realidade, fática e jurídica, de cada uma delas”, acrescenta Mariana.