“Tudo no mundo o homem faz, só não faz o que foi feito por obra da natureza.” O trecho da música da mestra Aurinha do Coco, citado por Maria Macêdo, como referencial para a construção da exposição Nascente da trama e do som, é porta de interpretações das produções que estarão presentes na exibição a partir do dia 31 de maio, na Galeria 03 do Centro Cultural do Cariri – equipamento da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), gerido em parceria com o Instituto Mirante de Cultura e Arte.
Tendo como principal fonte a matéria-prima fornecida pela Chapada do Araripe, as obras da exposição unem luthieria e artes têxteis. Construídas a partir de elementos da natureza, carregam como inspiração as memórias e ancestralidades de mestres e mestras da região do Cariri, que pela primeira vez terão suas obras expostas no espaço expositivo do Centro Cultural.
Os mestres luthiers Aécio de Zaira (Crato), Chico (Juazeiro do Norte), Totonho (Mauriti), Gil Chagas (Aurora) e Antônio Pinto (Aurora), apresentam na mostra seus instrumentos, em sua maioria elaborados artesanalmente, promovendo e difundindo o conceito de trabalho ligado ao território cultural de origem, na busca da preservação do saber viver em equilíbrio com a proteção da natureza.
O Mestre Gil Chagas conta sobre sua experiência: “Hoje eu faço instrumento com a maior consciência que a lutheria exige, é na alma, é na barra harmônica, viu? Tudo isso aí eu faço com consciência sobre medida. Eu sei qual é a medida que um instrumento vai pedir para eu fazer uma barra harmônica, eu sei qual é a necessidade que o instrumento vai me pedir a alma, eu sei… A alma é quem faz o instrumento vibrar”.
Junto à exposição, estão a Mestra Fanca (Juazeiro do Norte), a Mestra Dinha (Nova Olinda) e as Rendeiras de Bilro de Santana do Cariri, que com as mãos, traduzem as poesias da vida em tramas únicas. Fanca iniciou sua trajetória como contadora de histórias e hoje possui um belo acervo de obras pautadas em momentos de sua vida e marcos históricos da região do Cariri. A partir do relacionamento com a mãe e ouvindo diversas histórias populares em sua jornada, construiu uma produção visual repleta de peças bordadas, plena de efeitos lúdicos, texturas, volumes e detalhamentos cromáticos.
Mestra Dinha demonstra em sua obra as complexas tramas da arte do tear, como herança da uma vida inteira de uma família dedicada à fabricação de redes coloridas. Já as rendeiras, mulheres que confeccionam redes de balanço, bico de pano de prato, toalhas, caminhos de mesa, almofadas, entre outras peças artesanais, utilizam como instrumentos na produção: espinhos de mandacaru, palha de bananeira e bilros de macaúba, palmeira típica da região.
Todos esses trabalhos carregam narrativas da comunidade, relações pessoais e conhecimento, passado de geração em geração. A exposição Nascente da Trama e do Som é uma demonstração da sabedoria da vivência em equilíbrio, garantindo a abundância da matéria-prima que se encontra há tempos em todo o território.
Os processos artísticos dos mestres e mestras serão compartilhados com o público a partir do dia 31 de maio. Às 9h30 acontece o cerimonial de abertura, no Pequeno Palco, com falas institucionais. Em seguida, as pessoas presentes serão convidadas para a Galeria 03, onde será apresentada a performance “Nave Espacial 11 11 00” do Mestre Aécio de Zaíra, um experimento cósmico com mais de 60 instrumentos, que combina sons da natureza e experiências sensoriais.
Curadoria
Propondo um convite a adentrar as ancestralidades presentes nas habilidades artesanais e sua interconexão com a vida e a arte na região do Cariri, a curadoria tece uma paisagem a partir da qual se pode imaginar um presente vivo e um futuro ancestral. Segundo Eliana Amorim, “trazemos o enlace entre a luthieria e as artes têxteis como possibilidade de relacionar seus imaginários, memórias e sensibilidades, parte desse reflorestamento que compreende seus seres com suas ciências, tradições e subjetividades”
Mãe, retirante, artista visual, pesquisadora e arte educadora, Eliana Amorim é licenciada em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri e Coordenadora do Educativo do Centro Cultural do Cariri. Suas pesquisas e produções no campo das Artes Visuais abordam questões de gênero e raça no Brasil. Investigam as intersecções entre arte, magia e saberes tradicionais de cuidados e curas através da natureza, compartilhados entre mulheres sertanejas curandeiras. Conhecimentos acessados por meio da escuta ativa e do encontro com as memórias.
Maria Macêdo atua nos atravessamentos das artes visuais, com experimentações no campo do teatro e música, desenvolvendo trabalhos artísticos a partir da ciência da mata e traçando caminhos a partir das lacunas historiográficas, das construções afetivas e das memórias comunitárias. “Nascente reúne um conjunto de mestras e mestres que se conectam pelas manualidades como forma de moldar as territorialidades e ancestralidades do Cariri Cearense”, conta. Maria é uma mulher negra, caririense, artista, educadora, pesquisadora, licenciada em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri e Coordenadora de Patrimônio Cultural e Memória do Centro Cultural do Cariri.
Curador do Museu de Arte Contemporânea do Ceará de 2013 a 2020, Bitu Cassundé coordenou o Laboratório de Artes Visuais do Porto de Iracema da Artes de 2013 a 2018. Também integrou a equipe curatorial do projeto À Nordeste, no SESC 24 de Maio, em São Paulo (2019). Para ele, “As obras expostas ressoam o conhecimento e a sensibilidade integrantes da pluralidade cultural de uma região abraçada pela Chapada do Araripe, onde os mestres e mestras são troncos fortes que compõem esse ecossistema”.
Bitu está como Gerente de Patrimônio Cultural e Memória do Centro Cultural do Cariri e desenvolve trabalhos e pesquisas transdisciplinares que articulam educação, artes visuais e curadoria em diversas Instituições no Brasil e no exterior, com foco nas relações entre vida, patrimônio cultural e arte.