Um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) deve anular o projeto de lei do deputado estadual do Ceará Carmelo Neto (PL) que pretende proibir a utilização da linguagem neutra em documentos e peças de comunicação visual do governo. O projeto foi lançado na terça-feira (7) durante sessão ordinária da Assembleia Legislativa.
Na justificativa da proposta, o deputado fala em “abolir” a prática, que vem sendo adotada pelo governo federal. O ex-vereador já havia apresentado proposta no mesmo sentido enquanto atuava na Câmara Municipal de Fortaleza.
A proposta, contudo, deve ser barrada pelo STF. Nesta quinta-feira (9), a corte formou maioria de seis votos para derrubar a lei estadual que foi aprovada em Rondônia. A medida é valida para todos os estados do Brasil, além do Distrito Federal.
Votaram por considerar a lei inconstitucional o relator do caso, ministro Edson Fachin, acompanhado pelos ministros: Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Os demais ainda podem incluir os votos.
Entenda o que é linguagem neutra
‘Menine’, ‘todxs’, ‘amigues’ são exemplos da linguagem ou dialeto neutro, que é conhecido também como linguagem não-binária.
Cada vez mais comum nas redes sociais e entre membros da comunidade LGBTQIA+, essa linguagem tem como objetivo adaptar o português para o uso de expressões neutras, a fim de que as pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino) ou intersexo se sintam representadas.
Mas o que é o gênero neutro?
É a substituição dos artigos feminino e masculino por um “x”, “e” ou até pela “@” em alguns casos. Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue” ou “amigx”. As palavras “todos” ou “todas” seriam trocadas, da mesma forma, por “todes”, “todxs” ou “tod@s”. A mudança, como é popular principalmente na internet, ainda não tem um modelo definido.
Os defensores do gênero neutro também defendem a adoção do pronome “elu” para se referir a qualquer pessoa, independente do gênero, de maneira que abranja pessoas não-binárias ou intersexo que não se identifiquem como homem ou como mulher.
Nas Olimpíadas de Tóquio, a narradora Natália Lara o comentarista Conrado Santana, do SporTV, deram visibilidade ao assunto durante uma partida de futebol entre as seleções femininas do Japão e Canadá. Os profissionais utilizaram o pronome “elu” para se referir a Quinn, atleta canadense que se identifica como pessoa trans não-binária.
Para o professor de língua portuguesa na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e doutor em linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jonathan Moura, a neutralidade de gênero na língua é abrangente e vai além de questões relacionadas a pronomes.
“Na ginecologia, profissionais já utilizam ‘pessoas grávidas’, em vez de ‘mulheres grávidas’, porque há a noção de que pessoas trans também podem engravidar e não necessariamente são mulheres. Isso também é neutralidade de gênero”, explica.
A legislação permite o uso dessa linguagem?
De acordo com a norma padrão da língua portuguesa, o artigo masculino cumpre papel de pronome neutro no plural. Por exemplo, se um grupo de pessoas é composto por homens e mulheres, mesmo que majoritariamente feminino, pode-se referir às pessoas do grupo como “eles” ou “todos”.
Por isso, vestibulares ou concursos públicos que exigem a usa da norma culta da língua não permite o uso da linguagem neutra.
Pronome neutro no português?
Atualmente, no português, o masculino também cumpre função de plural. No entanto, não foi sempre assim. Quando o latim ainda era uma língua vivamente praticada, havia um pronome neutro além do feminino e do masculino. “Isso mudou quando o latim virou o português arcaico. Decidiu-se pela abolição do neutro e adoção do masculino para o plural”, explica Moura.
Para o especialista, não é impossível que a linguagem passe a integrar o idioma futuramente, mas alerta que tudo depende da adesão pública. “Uma linguagem precisa ser praticada para se manter viva, ou, neste caso, viver. Só assim ela passa a fazer parte do cotidiano das pessoas”. Mas, sem reconhecimento da população, ele não vê como isso pode acontecer.
“Ainda assim, pode ser agora ou daqui a 100 anos, pode ser este modo de linguagem neutra ou outro, mas pode acontecer. Mas pode ser também que isso caia no esquecimento e nunca venha a tona”, finaliza.
Por: G1