Uma doença pouco falada entre as mulheres, mas que gera, ao longo dos anos, incômodos, dores e frustrações. A endometriose profunda afeta de 10% a 15% da população feminina brasileira e ocorre quando o endométrio, tecido que reveste a parede interna do útero, movimenta-se no sentido oposto da menstruação e cai nos ovários ou na cavidade abdominal, podendo atingir órgãos como intestino e bexiga.
Thiago Farias, ginecologista e obstetra do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), unidade da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), explica que ainda não há um consenso da comunidade médica sobre o aparecimento da doença. Há hipóteses que apontam fatores genéticos, imunológicos e hormonais. “A progressão da doença está fortemente associada a uma resposta inflamatória nos tecidos acometidos, à dor pélvica ou aos quadros de infertilidade”, complementa Farias.
O médico explica que essas dores são conhecidas como “os seis Ds”: dor ao menstruar (cólicas), dor ao ter relação sexual, dor ao defecar ou ao urinar, dor pélvica fora do ciclo menstrual, dor no final da coluna ou na região lombar e a dor de não poder engravidar.
De acordo com Adriano Veras, diretor-geral do HGCC, uma boa parte das mulheres já está acostumada com um padrão de dor durante o período menstrual, mas quando ela aumenta e evolui a cada ciclo, é importante ficar atenta. “A dor é um elemento importante na avaliação. Para o médico, é difícil mensurar – só pelo critério de dor – a gravidade da doença, mas é um critério importante”, alerta Veras.
Os sintomas devem ser vistos com seriedade, o diagnóstico precoce pode salvar a paciente de complicações. “A divulgação dos sintomas é educativa e ajuda as mulheres a ter um diagnóstico precoce, prevenindo o agravamento da doença, que afeta órgãos importantes, como intestino, bexiga, nervos e ureter, e compromete a fertilidade”, destacou Adriano Veras.
O diretor-geral recomenda ainda que, ao notar uma ampliação da dor, a mulher busque o atendimento médico e solicite exames específicos para uma investigação mais aprofundada. Os especialistas apontam o ultrassom e a ressonância como exames importantes para o diagnóstico preciso. Dependendo do caso, os médicos podem fazer um exame clínico de toque para tatear as lesões e seus locais de acometimento ou solicitarem uma colonoscopia.
Para Thiago de Farias, a endometriose é uma questão de saúde pública. “Algumas pacientes têm dores tão intensas que chegam a ir para o hospital para fazer medicação endovenosa, são retiradas do seu cenário profissional, encontram dificuldades para ter uma vida sexual normal ou estão em um estado tão agudo de dor que necessitam de um atendimento multiprofissional com psicólogos, assistentes sociais, cirurgiões, ginecologistas”, relata.
Tratamento e relação médico-paciente
Os médicos explicam que não há uma única abordagem terapêutica. O tratamento indicado depende da condição de cada paciente. “O melhor tratamento para uma mulher pode não ser para outra, mas todos têm a qualidade de vida como propósito”, esclarece o ginecologista obstetra do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), Lucas Nogueira.
O tratamento da doença pode incluir analgésico, para controlar a dor e a inflamação; anticoncepcionais e DIU hormonal. “Quando o tratamento hormonal ou medicamentoso não apresenta o resultado esperado ou a mulher já apresenta nodulações em regiões com riscos de obstrução, considera-se a cirurgia”, pontua o obstetra.
Em mulheres com idade reprodutiva e que desejam ter filhos, “o procedimento cirúrgico retira apenas os focos de endometriose e as aderências”, explica o profissional. A cirurgia é realizada por meio de videolaparoscopia, com anestesia geral. Há ainda a histerectomia, procedimento cirúrgico que remove o útero e/ou ovários. “Pode ser indicada quando a paciente não tem o desejo de gestar”, pondera Nogueira.
Por ser um tratamento que envolve muitas fases e escolhas da mulher, a boa comunicação entre a paciente e a equipe é sempre a melhor estratégia. “Costumo dizer que vivemos a era do acordo terapêutico”, fala entusiasmado.
Sinais de alarme e agravos
O ginecologista destaca ainda alguns pontos de alerta sobre as cólicas menstruais e mudanças no funcionamento do intestino durante o período menstrual também devem ser considerados. “O intestino muito preso, com sangramento nas fezes, dor para evacuar, e até mesmo sangramento da urina, podem indicar o processo inflamatório”, reforça.
Lucas enfatiza que mulheres jovens precisam de mais atenção. “Às vezes, a paciente faz uso de método contraceptivo e ignora os sintomas. Os médicos precisam acompanhar de perto, é uma doença longa, e os sintomas e a evolução podem surgir durante todo o período reprodutivo de uma mulher”.
Como forma de cuidado e atenção à mulher, a Sesa lançou, em parceria com a Secretaria das Mulheres, em agosto, o Programa Saúde da Mulher, ação que agiliza as cirurgias eletivas de endometriose no estado, bem como o tratamento da doença. A iniciativa está sendo realizada no HGCC, no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), unidade federal.