A Polícia Federal concluiu que o presidente Jair Bolsonaro não praticou o crime de prevaricação no caso da negociação para compra da vacina indiana Covaxin.
As investigações têm como base os depoimentos dados à CPI da Covid pelo funcionário do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e pelo irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).
Aos senadores da CPI, os irmãos disseram que se encontraram com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, e relataram as suspeitas envolvendo as negociações para aquisição da Covaxin.
Primeiro, Bolsonaro confirmou o encontro com os irmãos, mas disse não ter sido avisado sobre as suspeitas. Depois, o governo passou a dizer que Bolsonaro foi avisado e que repassou a denúncia ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Prevaricação é um crime contra a administração pública e ocorre quando um funcionário público, tomando conhecimento de supostas irregularidades, deixa de comunicar a suspeita às autoridades – à Polícia Federal e ao Ministério Público, por exemplo.
Sem depoimento de Bolsonaro
No relatório enviado ao Supremo, a PF afirmou que não viu necessidade de tomar o depoimento de Bolsonaro por ter concluído que não houve crime.
O relatório também listou as diligências feitas pelos policiais durante a investigação, entre as quais:
- depoimento de sete pessoas, entre elas os irmãos Miranda, o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário Elcio Franco e executivos da Precisa Medicamentos;
- análise de documentos enviados pelo Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, Procuradoria da República no DF sobre as apurações envolvendo o contrato para a aquisição da Covaxin;
- análise de informações enviadas pela Secretaria de Geral da Presidência da República sobre o encontro do presidente com os irmãos Miranda;
- cópias de depoimentos prestados à CPI da Covid no Senado;
A PF também informou que a investigação não abrange as suspeitas de irregularidades no contrato da Covaxin.
“Não é objeto de investigação neste inquérito eventuais irregularidades, ilegalidades ou crimes envolvendo a negociação, a celebração ou a execução do contrato”, frisou a PF.
Relatório da PF
A PF enviou nesta segunda-feira (31) ao Supremo um relatório no qual aponta que não identificou conduta criminosa de Bolsonaro.
A PF entende que a comunicação de crimes a órgãos de controle não é uma atribuição do presidente da República.
“Ainda que não tenha agido, ao presidente da República Jair Messias Bolsonaro não pode ser imputado o crime de prevaricação. Juridicamente, não é dever funcional (leia-se: legal), decorrente de regra de competência do cargo, a prática de ato de ofício de comunicação de irregularidades pelo Presidente da República“, escreveu o delegado William Tito Schuman Marinho.
Ele reconhece elementos que apontam que Bolsonaro soube das supostas irregularidades, e citou como exemplo os depoimentos do ex-ministro Eduardo Pazuello e do deputado Luís Miranda.
Porém, de acordo com Marinho, um presidente só pode ser enquadrado no crime de prevaricação quando envolver uma conduta inerente ao cargo e que esteja prevista na Constituição. Não era esse o caso, segundo ele.
“Não está presente o ato de ofício, elemento constitutivo objetivo impresindível para caracterizar o tipo penal incriminador”, completou.
O entendimento da PF diverge da conclusão da CPI da Covid do Senado que entendeu que o presidente retardou ou deixou de praticar, indevidamente, ato de ofício – não comunicação dos órgãos de suposto crime.
Para Marinho, a conduta de Bolsonaro seria mais de ausência de dever cívico do que um desvio funcional.
“É legítimo, por certo, do ponto de vista da opinião pública, esperar que a principal autoridade pública da República, numa situação como a que foi trazida ao conhecimento deste Supremo Tribunal Federal pelos senadores da República, manifeste, de algum modo, um agir. Mas, mesmo assim, na hipótese de omissão, tal conduta se aproximaria mais de uma ausência do cumprimento de um dever cívico, mas não de um desvio de um dever funcional.”
Contrato da Covaxin
O preço da Covaxin foi o maior entre todas as vacinas que o governo negociou: R$ 80,70 por dose – quatro vezes mais cara que a AstraZeneca, da Fiocruz, que é a de menor custo.
A rapidez para fechar o contrato chamou a atenção e teve a participação de uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos. O contrato de compra só foi suspenso pelo governo depois das denúncias. Até que, em agosto de 2021, foi cancelado.