Publicado no Diário Oficial da União (DOU) na última terça-feira (17) pelo ministro da Educação Camilo Santana (PT), o reajuste de 14,95% para o magistério tem colocado de um lado o Governo Federal e os profissionais da educação e de outro os gestores municipais. O cerne do impasse está no impacto financeiro do aumento salarial da categoria, que pode custar R$ 19,4 bilhões aos cofres municipais no Brasil.
Só no Ceará, esse reajuste deve representar um aumento de despesas para as prefeituras de R$ 1,2 bilhão. Cidades como Fortaleza, Caucaia, Sobral e Itapipoca serão as mais afetadas, caso o aumento seja concedido pelos prefeitos. A estimativa foi divulgada nesta terça-feira (17) pela Confederação Nacional de Municípios (CNM).]O presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, teceu duras críticas à decisão do Ministério da Educação de anunciar o reajuste e cobrou mais diálogo entre a pasta federal e os gestores municipais. A determinação do reajuste foi feita por meio da portaria 17/2023, do Ministério da Educação (MEC), indicando um aumento de rendimento dos profissionais de R$ 3,8 mil para R$ 4,4 mil.
“A valorização dos nossos profissionais da educação é fator determinante para o crescimento do nosso país”, comentou Camilo Santana ao anunciar o aumento. O piso é a base do vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica para a formação em nível médio, na modalidade normal, com jornada de 40 horas semanais.
Historicamente, a atualização no valor é aplicada automaticamente no dia 1º de janeiro de cada ano e é relacionado ao crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente pelo Fundeb.
IMPACTO NAS CONTAS PÚBLICAS
Conforme os dados divulgados pela CNM, 36 cidades cearenses terão um aumento de despesas superior a R$ 10 milhões por conta do reajuste do salário da categoria. “Os municípios vão se tornar ingovernáveis”, reclamou o presidente da entidade.
Ziulkoski afirmou ainda que o aumento do salário dos profissionais da educação em 14,95% é “inconstitucional” e “irresponsável”.
“Há um vácuo jurídico na correção do piso que não pode ser suprimido por uma portaria. O prefeito que conceder esse aumento com base na portaria estará cometendo improbidade administrativa, porque ela não tem base em lei”
PAULO ZIULKOSKI
Presidente da CNM
A crítica da Confederação de Municípios gira em torno de um suposto “vácuo jurídico”, porque o reajuste do piso se baseia em critérios que remetem à Lei 11.494/2007, do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Atualmente, está em vigor a Lei 14.113/2020, de regulamentação do novo Fundeb.
Segundo ele, a diretriz de reajuste adotada pelo Ministério da Educação do Governo Lula foi a mesma adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ambas fazem referência à legislação do antigo Fundeb. “Eles editaram uma portaria infralegal, que não é baseada em lei (…) O critério de reajuste do piso não tem eficácia legal e persistem inseguranças devido ao vácuo jurídico”, acrescentou.
LEI DO PISO
A CNM argumenta ainda que a Lei 11.738, de 16 de julho de 2008, que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, tornou-se “desatualizada” em decorrência das alterações promovidas pela legislação do novo Fundeb.
R$ 1.230.812.619,33
é o valor do impacto nas prefeituras do Ceará, segundo a CNM
“Esse critério de reajuste do piso tem causado controvérsia. O entendimento é de que o critério perdeu a eficácia legal com a entrada em vigor do novo Fundeb, sendo necessária sua regulamentação por lei específica”, aponta a entidade.
Com base nesses argumentos, o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, orientou, nesta terça-feira (17), que os prefeitos que não concedam o reajuste de aproximadamente 15%. “Estamos recomendando que os municípios não adotem esse critério, o município é soberano e que não, pode com base nessa portaria, ser concedido esse aumento”, disse.
BASE DO REAJUSTE
O MEC rebate o argumento de que a legislação que institui o piso está “desatualizada”. A pasta, inclusive, toma como base para o reajuste justamente a Lei nº 11.738 de 2008, regulamentando uma disposição já prevista na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB).
O MEC ainda reafirmou que o aumento é calculado com base na comparação do valor aluno-ano do Fundeb dos dois últimos anos.
PACTUAÇÃO
Ao recomendar que os gestores descumpram a portaria do MEC, Paulo Ziulkoski ainda cobrou diálogo e pactuação da educação do País.
R$ 19.442.920.477,51
é o valor do impacto nas prefeituras do Brasil, segundo a CNM
“Destaca-se que o piso do magistério não impacta as contas do governo federal, pois quem paga são Estados e Municípios. Já quando se trata de medidas que impactam as finanças da União, como o salário mínimo e o valor per capita do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), há indefinição sobre o reajuste”, criticou em nota a entidade.
“Se houvesse um diálogo mínimo, desde o período de transição, tudo isso poderia ter sido evitado. Mas há pessoas no governo, desde a gestão anterior, que não têm simpatia por nós (…) Agora, estamos abertos ao diálogo, temos boa relação, estamos aguardando. Se o Governo achar o subsídio, temos tranquilidade para negociar”, acrescentou Ziulkoski.
REAÇÃO DO MAGISTÉRIO
Principal parte interessada no reajuste, os profissionais do magistério reagiram ao posicionamento do presidente da CNM.
“Ao invés de buscarem mais recursos, tentam inibir a aplicação do piso alegando falta de recursos. A recomposição do piso é necessária e as prefeituras precisam ajustar os orçamentos para garantir a prioridade para a educação”, defendeu Anízio Melo, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Educação do Ceará (Apeoc).
“Faremos tudo para que o piso seja cumprido, não podemos deixar essa alegação dos prefeitos, através de sua organização de classe, atravessar um processo histórico de valorização da categoria”
ANÍZIO MELO
Presidente do Sindicato Apeoc
Questionado sobre o apontamento de ilegalidade feito pela CNM, Anízio rebateu. “A lei existe, que os prefeitos se organizem com os maus deputados e mudem a legislação, se quiserem, tem que ter a coragem de tentar anular, porque a lei já existe”, criticou.
SILÊNCIO DOS GESTORES CEARENSES
Sobre os impactos do reajuste e a recomendação da CNM, o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Júnior Castro, e o vice-presidente, José Helder, prefeitos de Chorozinho e Várzea Alegre, foram procurados pela reportagem, mas não responderam.
A assessoria de imprensa da entidade recomendou buscar a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Ceará. A presidente Luiza Aurélia Teixeira, dirigente Municipal de Educação de Crateús, trocou mensagens com a reportagem, mas parou de responder ao ser informada sobre o assunto. O vice-presidente da Undime Ceará, José Marques Aurélio, da Educação de Jucás, não foi localizado.
O MEC também foi contactado, mas não respondeu.
Fonte: Diário do Nordeste